segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Cármen Lúcia, presidente do TSE, deu entrevista exclusiva ao G1

Para ministra, Judiciário, sozinho, não é 'capaz' de consolidar a Ficha Limpa. Ministra também afirmou que eleitor não está 'preocupado' com o mensalão.

Do G1, em Brasília - 08/10/2012 
No comando de 5.566 diferentes eleições nos municípios brasileiros, a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, disse ao G1, no dia seguinte à escolha de prefeitos e vereadores, que caberá aos eleitores consolidar a Lei da Ficha Limpa no pleito de 2014. Para a chefe da Justiça Eleitoral, “o Judiciário não é capaz” de evitar que a nova legislação caia em desuso e venha a ter “interpretações mais flexíveis”.

“Lei, no Brasil, para se consolidar e se manter, depende da cidadania, exclusivamente. Essa lei [Ficha Limpa], se não houver uma fiscalização direta do cidadão – o Judiciário não é capaz de fazer isso –, pode, sim, ter algum retrocesso no sentido de não ser plenamente aplicada, de ter interpretações mais flexíveis”, enfatizou a magistrada.

Cármen Lúcia falou também sobre o impacto do julgamento do mensalão nas eleições do domingo. Para ela, os eleitores “não estão preocupados” com o polêmico julgamento da Suprema Corte, que colocou no banco réus parlamentares, ex-ministros e ex-dirigentes partidários.

Veja a entrevista que a ministra concedeu ao G1 nesta segunda-feira (8):

G1 A Lei da Ficha Limpa vai estar plenamente consolidada na eleição de 2014?

Cármen Lúcia Lei, no Brasil, para se consolidar e se manter, depende da cidadania, exclusivamente. A chamada Lei Seca, por exemplo, nos lugares em que fizeram blitz o tempo todo foi assumida pelo povo e as pessoas já não bebem. Nos lugares em que, nos primeiros dias, teve blitz e depois caiu já não se observa mais [respeito à Lei Seca]. Essa lei [Ficha Limpa], se não houver uma fiscalização direta do cidadão – o Judiciário não é capaz de fazer isso – pode, sim, ter algum retrocesso no sentido de não ser plenamente aplicada, de ter interpretações mais flexíveis. A escolha já foi mais cuidadosa. Os partidos sabiam que, no final, poderiam ficar sem candidatos e trataram de substituir [os fichas-sujas]. Isso precisa ser, permanentemente, objeto de fiscalização, controle e consolidação.

G1Como o eleitor pode fazer para fiscalizar o cumprimento da Ficha Limpa?

Cármen LúciaNós, da Justiça Eleitoral, temos de, entre uma eleição e outra, informar o que aconteceu, quantos recursos foram protocolados, o que ocorre com o voto daquele candidato que não será aproveitado por causa de indeferimento. É também papel da escolas, da OAB [Ordem dos Advogado do Brasil], das escolas do Ministério Público e das faculdades de Direito repartir esse conhecimento. Se isso não acontecer, como toda lei, as coisas relaxam. Isso é igual com a criança: você fala que isso não pode fazer, e ele sabe que, de imediato, vai ter uma resposta. Se, daqui a pouco, você não faz nada, em seguida o menino está fazendo coisa errada. Isso é assim mesmo, é do ser humano, ele relaxa, entra em uma zona de conforto. É preciso que a sociedade tenha isso como consolidado. Essa lei [Ficha Limpa] propiciou uma mudança de cultura. Mudança de cultura não se faz de uma vez. A lei dá o caminho, mas quem caminha é o cidadão.

G1 A senhora considera que o julgamento do mensalão influenciou nas eleições municipais do último domingo?

Cármen Lúcia O cidadão, em uma eleição municipal, se preocupa com a sua cidade. É isso que as pessoas ficam achando que não é verdadeiro. A pessoa vive ali, sabe que terá de conviver quatro anos com aquela situação. Sabe exatamente que o menino dela não está voltando da escola, que precisou levar o pai muito longe porque não havia nenhum posto de saúde perto. Ele se preocupa com a vida dele primeiro, como todo ser humano. [O mensalão] está muito longe dele, isso não afeta a vida dele diretamente. Nem esse julgamento nem outros podem afetar. Os julgamentos que fizemos nos últimos tempos representam a ética na política, que ele [eleitor] passa a saber que compõe a vida dele. Não a ponto, eu acho, de ele mudar. A mudança é saber escolher.

G1 Então, a senhora concorda com o raciocínio do ex-presidente Lula de que o mensalão não interfere na eleição?

Cármen Lúcia O cidadão se preocupa sempre com sua vida, e não sobre um processo específico. O eleitor está atento à fiscalização, se a Justiça está julgando o caso de um vereador. Cansamos de receber esse tipo de carta dizendo que o vereador da minha cidade não foi julgado até hoje e ele foi eleito. A preocupação do eleitor é essa.

G1 Na sua avaliação, o Brasil continua na vanguarda da tecnologia de eleições?

Cármen LúciaContinua na vanguarda e cada vez mais. É a tecnologia de ponta. Nossa preocupação é com os serviços públicos essenciais que não avançaram como a Justiça Eleitoral. A minha grande preocupação nas últimas três semanas foi com o serviço público de energia elétrica, que é serviço primário. Há 15 dias, tivemos um apagão que derrubou o fornecimento de energia na subestação de Imperatriz, no sul do Piauí, de sábado a segunda-feira. A falta de luz levou a um atraso na inseminação das urnas locais. O Brasil tem isso: temos, às vezes, situações de ponta e o serviço primário, que todo mundo tem, não conseguimos manter. Outra preocupação, que teve uma boa resposta da Anatel e das operadoras, mas por um planejamento feito aqui no TSE, foi a questão da telefonia. Se cai a telefonia durante o processo de transmissão de dados teríamos problemas gravíssimos. Isso precisou de um planejamento estratégico, feito a partir de um pedido meu. No final, me perguntaram: se houvesse qualquer coisa errada, o que eu faria. ‘Prendo’, respondi. Aí todo mundo funcionou.

G1 A senhora ficou preocupada com a quantidade de urnas eletrônicas que tiveram de ser substituídas devido a falhas técnicas? 2.257 tiveram problemas técnicos.

Cármen Lúcia Estamos passando por um processo de não comprar novas urnas. As urnas que haviam sido utilizadas em 2008 e viravam lixo, fizemos um trabalho e está feito um upgrade, com um novo software, para que possamos aproveitar todas e elas não virem lixo. Primeiro, porque é ruim do ponto de vista ambiental, gera um custo para o cidadão. As urnas de 2008 passaram por esse processo no Brasil inteiro. Essas são as que deram um ou outro problema. No entanto, isso tende a desaparecer, porque haverá um período muito maior de tempo. Estamos fazendo essa modificação até junho de 2013. Teremos um ano antes da eleição [de 2014] para testar todas as urnas no país.

G1 Qual sua expectativa para os 50 municípios nos quais haverá segundo turno?

Cármen LúciaÉ muito mais tranquilo. É outra eleição para o candidato e para os partidos, mas para nós do eleitoral o empenho e a seriedade são os mesmos. Tivemos uma redução de quase duas horas, a menos, do que nas outras eleições, para chegar ao resultado final. E com 50 cidades é muitíssimo rápido. É tudo muito objetivo e fácil de ser feito para quem trabalhou com 5.566 municípios.

G1 Haverá envio de tropas federais para municípios brasileiros no segundo turno da eleição?

Cármen Lúcia Temos de esperar, mas, das capitais, a maior preocupação era sempre o Rio, pelo processo e pelo momento de pacificação. Porém, lá não tem segundo turno. Vamos ver agora, mas é mais difícil que tenhamos esse tipo de situação. Vamos ver se haverá a necessidade de enviar tropas a algum município do Interior, especialmente da Região Norte, muito mais pela logística do que pelas condições de segurança.

G1 É viável o TSE julgar os recursos dos 2.969 candidatos fichas-sujas que recorreram à corte até a data-limite para a diplomação dos eleitos, em 19 de dezembro?

Cármen Lúcia É perfeitamente viável. Recebemos 7 mil e analisamos mais da metade, quase 70%, no período de três semanas. Tanto que nem tivemos sessões extras esse ano. Não havia recursos para serem pautados. Os últimos pautados foram julgados na quinta-feira. Depende da manifestação do MP, do relator liberar. Tudo o que estava liberado de 2012 foi priorizado e quinta-feira (4) nós terminamos.

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